LEMBRANÇAS (continuação, a pedido)
Lembranças (continuação, a pedido)
Sim, um continuar referente ao texto: APENAS LEMBRANÇAS
Ela estava a poucos metros de minha casa, já tinha ultrapassado de seus 80 anos, aproximava-se dos 90, sentada na sua varanda, fui caminhando, dentro de alguns segundos estaria bem na sua frente, nesses poucos instantes deu para refletir grande parte de minha vida, fui pensando:
--- minha mãe, Dona Maria Vitória! Sua vida foi de lutas, mas de vitórias indescritíveis nesses seus 60 anos de catequese, ensinando os caminhos de seu mestre, Jesus para muitas gerações. Além disso 16 filhos biológicos, alguns deles já falecidos, os vivos forçosamente lhe davam trabalho, eu quantas vezes ela me auxiliava, minha primeira noção de matemática, ela me fez entender a tabuada que ela mesmo colocou no papel do número dois até o número nove, ela nem tinha estudado dois anos na escola, a vida havia lhe ensinado de sobra. Mulher de fibra, com fé inabalável ao Senhor dos Céus e da Terra, Na minha mente eu confirmava, duas pessoas com essa fé incrível: minha mãe, Maria Vitória e minha esposa, Neyde, elas com convicções diferentes porque minha mãe, católica até no fundo d’água, minha esposa uma evangélica convicta, mas as duas com capacidade de parlamentar incríveis, seriam advogadas imbatíveis. O tempo passou e lá estava eu em frente a minha mãe, digo:
--- olá dona Vitória, firme na paz do Senhor?
--- lógico e você, como é que está sua relação com o nosso Senhor? Por acaso tem ido à missa, confessado pelo menos algumas vezes? (eu a interrompi, queria dizer que eu estava no meio dela e da minha esposa, sabia que estavam no bom caminho e não havia abandonado a minha religião, mas... em nossa vida sempre tem um “mas”.) eu disse, mãe, vamos continuar a sua biografia.
--- mudando de assunto, não é? Eu te conheço, rapaz!
Vamos continuar sim, mas é sobre esse assunto que pretendo começar. Um dia eu cheguei na sua casa e disse para a sua esposa:
--- Neyde, não vai na sua igreja hoje?
---não, dona Maria, o Lourenço vai trabalhar até tarde, vai sair dum serviço e entrar em outros, não tenho com quem deixar as crianças, queria ir sim, porque hoje é dia de distribuir a Santa Ceia.
--- ah! Vai sim, eu fico com as crianças pra você, receber Jesus Eucarístico é muito importante, é maravilhoso, eu sei como é isso.
--- lembro disso sim, mãe, não tem como esquecer, mas quando a senhora e a Neyde estiverem no Céu, vão ficar separadas, uma é católica e a outra protestante.
--- Nossa! Lourenço, você tem cada brincadeira. No Céu não haverá separação nenhuma.
--- mãe, mas parece que foi o Papa João XXIII que chamavam os protestantes de irmãos separados!
---- ah! Deixa pra lá, não vou nem discutir com você. (ela estava brava... mas logo foi acalmando voltando a falar de outro assunto relacionado ao que ela estava narrando) Eu sempre gostei de quando entrava na igreja, ir ficar bem na frente e conversar com Jesus que estava no Sacrário. Já estava bem idosa e incomodada com a minha casa onde morava, aliás moro até hoje, eu estava quase pagar aluguel numa casa que ficava perto da igreja do meu bairro, mas para isso eu teria que perguntar a Jesus, teria que ir numa igreja, mas não podia ir sozinha, por causa de minha idade. Mais uma vez a Neyde me acompanhou.
Entrei na igreja matriz, saí emocionada! Jesus me falou claramente nos meus pensamentos que eu deveria ficar na minha casa mesmo, terminaria meus dias ali, e se por acaso eu sendo catequista não sabia que não precisaria entrar em nenhuma igreja pra conversar com ele, que Ele estaria em qualquer lugar?
--- Nossa! Mãe, bacana o seu relato, mas vou contar para o pastor da igreja da Neyde que ela levou a senhora numa igreja católica! (ganhei mais puxões de orelhas)
Os noventa anos de minha mãe veio e foram muitas conversas em plena lucidez até quase 10 anos, porque nos finais de seus dias a demência era terrível. Ficava aos cuidados de minha irmã. Um dia ao ve-la naquele estado, até comentei, ou clamei:
--- Jesus, porque não preservaste a sua mente intacta? Ela ensinou várias vezes a sua história! Os porquês eram infindáveis... até que perguntaram:
--- ela passou bem esta noite? Alguém respondeu:
--- noite difícil e que noite!
Nesse instante foi incrível, minha mãe falou:
--- seja tudo o que Deus quiser! Novamente alguém respondeu:
--- deixa Deus saber disso!!!
Minha mãe incrivelmente antenada parecendo que a demência desaparecera por completo, respondeu:
--- e você não sabe que tudo tem alguma razão para acontecer e Deus sabe tudo, sabe o que aconteceria até os fins de meus dias?!.
Recebi ali a resposta, aliás todos nós recebemos, a catequista nos seus últimos momentos naquele estado senil, deu sua última lição aos “lúcidos” ouvintes, a lição divina, que nesse mundo cheio de lógicas, mas todos os mortais jamais terão os poderes de entender esse mistério de viver!...